Monday, December 3

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. Les Amants I, 1928
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Numa esquina de Paris
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Dezenas e dezenas de pessoas passam ininterruptamente ao longo do passeio.
Umas para lá.
Outras para cá.
Umas para cá.
Outras para lá.
Mas cada uma que passa
tem de fazer na esquina um pequeno rodeio
para não se esbarrar com o par que aí se abraça.
Olhos cerrados, lábios juntos e ardentes,
tentam matar a inesgotável sede.
Através dos seus corpos transparentes
lê-se na esquina da parede:
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DANS CETTE PLACE A ÉTÉ TUÉ
MAURICE DUPRÉ
HÉROS DE LA RESISTANCE.
VIVE LA FRANCE.
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António Gedeão in Linhas de Força, 1967
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7 comments:

náufrago do tempo e lugar said...

Enquanto

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;

enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;

enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas,
como matilhas de cães;

enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;

enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as trevas das suas casas;

enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.


(António Gedeão, Linhas de Força, 1967, Coimbra)

Insinuante a imagem.
O amor não é cego. Finge, apenas, que o é... em certos momentos. :))

É bom ouvir Edith Piaf, “Sous le ciel de Paris”, enquanto te leio:


Sous le ciel de Paris
S'envole une chanson
Hum Hum
Elle est née d'aujourd'hui
Dans le cœur d'un garçon
Sous le ciel de Paris
Marchent des amoureux
Hum Hum
Leur bonheur se construit
Sur un air fait pour eux

(…)


Abraço.

Anonymous said...

mt interessante o blogue. n conhecia.

deixo uma dica de um autor novo que merece ser divulgado, uma vez que aprecias boa poesia:

www.tiagonene.pt.vu

Bi.

Mar Arável said...

Sempre foi preciso resistir

a poesia

também é uma arma

também nas paredes

spring said...

olá teresamaremar!
esta poesia do António Gedeão é linda, tal como o famoso quadro do Magritte.
já agora deixamos aqui uma recomendação, para um filme que está a passar esquecido e abandonado na única sala de Lisboa que o exibe, chama-se "Conversas com o meu Jardineiro" do Jean Becker e respira cinema em todos os fotogramas.
beijinhos e bom fim-de-semana
paula e rui lima

spring said...

olá teresamaremar!
a sala onde o filme está a ser exibido, é pequena, mas possui bons lugares, o filme é em scope, os franceses continuam a fazer cinema sem pensar no mercado de dvd graças a Deus!
beijinhos e bom fim-de-semana

PS- é a segunda vez que vamos àquele cinema, a primeira para ver o "Saraband" do Bergman que também só estava numa sala.
(alvalaxia: ex- cinemas de Paulo Branco e hoje Lusomundo... estavam cinco espectadores na sessão onde estivemos:) )
paula e rui lima

lésbica só said...

que bom vir aqui ter... ouvir uma língua tão minha, pensar resistência. Obrigada.
Bjs

Isabel Victor said...

TeresaMar

Estive algum tempo fora ... volto e re.encontro beleza neste sítio !

Leio
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Volto atrás
fico


iv*