Monday, May 21

O Eterno Efémero

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La Condition Humaine. 1933
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Não foi sem dificuldade que este livro rompeu através dos interstícios do mundo, até chegar às tuas mãos leitor, para aí, como um deserto abrir noutro deserto, criar uma irradiação simbólica, magnética, onde o branco do papel e negro das palavras, essas cores que segundo Borges se odeiam, pudessem fundir-se e converter-se nessa outra a que, na enigmática expressão de Sá carneiro, a saudade se trava.
Como um desses objectos cujo peso, assim que neles pegamos, instantaneamente se dividem entre as nossas mãos e a alma, é mesmo de crer que ele esteja já dentro de ti – e algo de mim com ele.
Acolhe-o, pois, com benevolência, que, chegada a altura, havemos de arder juntos.
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Luís Miguel Nava
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5 comments:

Anonymous said...

Borges achava que o branco e o preto se odiavam.
Nunca tinha pensado nisso.
Por serem opostos?
Na literatura são complementares, e casam bem.
Borges era escritor, toda a sua obra foi escrita à mão, talvez à máquina, mas mesmo assim preto sobre branco.
Não creio que se odeiem.
Que Borges me desculpe!

spring said...

é um prazer navegar neste blogue:)

já lá vão longos anos, na época eramos profundos leitores das edições do "& ETC" do Vitor Silva Tavares e um dia chegou até nós um livro de um jovem poeta, chamava-se o livro "Películas" e por ali respirava-se poesia.

paula e rui lima

teresamaremar said...

Olá Rigoletto :)

a folha branca chama pelo negro da tinta, que lhe viola o imáculado, mas é um apelo forte, irresistível. Elas lá se entendem, em diálogos de guerra e paz.

a preto e branco... tabuleiro de damas? jogo de xadrês?

Ainda Borges, completo agora:


"Ajedrez"

I

En su grave rincón, los jugadores
rigen las lentas piezas. El tablero
los demora hasta el alba en su severo
ámbito en que se odian dos colores.

Adentro irradian mágicos rigores
las formas: torre homérica, ligero
caballo, armada reina, rey postrero,
oblicuo alfil y peones agresores.

Cuando los jugadores se hayan ido,
cuando el tiempo los haya consumido,
ciertamente no habrá cesado el rito.

En el Oriente se encendió esta guerra
cuyo anfiteatro es hoy toda la tierra.
Como el otro, este juego es infinito.

II

Tenue rey, sesgo alfil, encarnizada
reina, torre directa y peón ladino
sobre lo negro y blanco del camino
buscan y libran su batalla armada.

No saben que la mano señalada
del jugador gobierna su destino,
no saben que un rigor adamantino
sujeta su albedrío y su jornada.

También el jugador es prisionero
(la sentencia es de Omar) de otro tablero
de negras noches y blancos días.

Dios mueve al jugador, y éste, la pieza.
¿Qué Dios detrás de Dios la trama empieza
de polvo y tiempo y sueño y agonías?


Inspira-se este poema no poeta e matemático persa Omar Khayyam.
O jogo de xadrês alegoria do destino humano? Em duelo?

teresamaremar said...

Olá Paula e Rui :)

um prazer também os vossos comentários.

Vamos às "películas" :)



EM SINTRA

As águas maravilham-se entre os lábios
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.

Luís Miguel Nava, Películas, 1979
In Poesia Completa 1979-1994

i said...

Adorei o espaço Magritte! Belíssima iniciativa!